Textos críticos
OBRAS COMPLETAS
_______________________________________________________________________________________________________________________________________________
Trama da Luz
A trama da luz de Alcione Guimares – por Fernando Py
A trama e a luz de Alcione Guimarães – por Clara Dawn
A trama da luz – por Fernando Py*
Já tive ocasião de escrever sobre a poesia da goiana Alcione Guimarães, observando que, no seu caso, os poemas criam "um espaço misto de verbo e visão, onde o poeta se movimenta com desenvoltura e se faz mais próximo do pintor, e vice-versa." Na época, referia-me a seu volume Zuarte: poemas e quadros-poemas (2000), em que Alcione, igualmente pintora, acompanhava os versos de "reproduções de quadros seus, reprodução que denomina 'quadros-poemas". Agora, em seu novo livro de poemas, Trama da luz (Goiânia: Editora Kelps, 2010), Alcione Guimarães coloca sua poesia sob a égide do fenômeno luminoso. Seu livro indica uma forma de entretecer as diversas variantes de cores e matizes que a luz apresenta. Assim, nos quase setenta poemas do volume, a autora constrói textos em que a luz apareça não apenas como motivo central mas se divida nas cores básicas do espectro, seja individualizando cada uma, seja como o próprio somatório de todas. Quando ela se refere ao branco, está cuidando de acentuar a ausência, aquilo que "não existe", como indica em 'Um poema em branco' (p. 17). Embora o branco, no espectro, não seja ausência de luz ou de cor e sim a soma de todas as cores, o que predomina nesse poema é mesmo a noção de ausência, "um negrume que mal se adivinha": a página em branco é ainda um futuro "encontro no caminho". Podemos verificar, desse modo, que matizes e cores se distribuem pelo livro de Alcione, sempre relacionados ao cotidiano transfigurado pela poesia, mas igualmente chamando em seu auxílio as maiores fontes luminosas que alcançam nossa visão: o sol e a lua. E explorando os contrastes óbvios (dia/ noite, claro/escuro, luz/ escuridão) que assinalam vivamente o todo geral, alicerça também outros contrastes, num conjunto que poderia ser eriçado de forças violentas. Porém a própria serenidade de sua poesia mantém a harmonia das partes. É certo que sempre existe um contraste nítido nessa poesia tão intimista: em face do céu, diante da majestade do infinito, o eu se apequena, se reduz, como no poema 'Azul' (p. 35). E a poesia madura de Alcione Guimarães expande seus limites e cativa o leitor não só pelo conjunto, como pela linguagem segura e enxuta, pelas imagens matizadas de cores e subtons, cristalinas e expressivas feito um trabalho urdido com eficiência e amor. Vale uma leitura atenta e encantada.
* Fernando Py é poeta, escritor e jornalista.
____________________________________________________________________________________________________________________________
A trama e a luz de Alcione Guimarães – por Clara Dawn*
Toma menina, que achei esses versos e eles são seus. Estavam aqui e acolá, pairando dentro de mim e eu me enchi... Enchi, menina, de sua trama costurada com fios de seda e bordada em raízes de alcaçuz... Ah, menina, eu me enchi! Enchi-me de sua luz, aquela luz "alcyone", brilhante e azul a quem chamam de estrela. Estou tão cheia, menina, tão repleta e ao mesmo tempo tão leve por causa desses versos seus, dessa sua fala lírica, urdida com alfinetes metafísicos e repletos de kantismo. Ouso dizer, menina... Digo sim, que Zeus estava certo ao transformá-la em uma ave. O pássaro "Alcíone", o "guarda-rios", cujo canto prantivo trazia aos gregos bom augúrio. Mas Zeus não sabia que tal castigo lhe fora uma dádiva, pois como pássaro que é, sabe bem usar suas penas e com elas voeja traços e risca os mares com bico de verve.
Toma menina, essa ânsia de pintar o papel, esse desejo extasiado de emoldurar o verbo, esse estofo furta-cor de versos seus... Será que suas telas "encarnaram" poemas ou foram seus dedos que viraram pincéis? Será que o estro da plástica não faz justiça ou são as palavras que lhe posam nuas em matizes pitorescas?
Toma menina, esses versos tão seus e agora, tão meus. Logo eu, zoófita da palavra, vejo-me refletida nesse seu cognoscitivo espelho. Encontro-me labutando nesse seu afã de tessituras mil e por fim, sinto-me cheia. Cheia, cheia, cheia... Tão cheia que transbordo e digo:
"Ocultam-se em mim
versos indevassáveis
sons mais fundos
antigos
que não são meus.
Guardam um passado
intemporal
em que me disperso
num hiato
onde busco uma lembrança rara
esse enigma é o fio que
que no desalinho
resvala
corta a palavra nas entranhas
e o silêncio acerta o alvo, em cheio
fere
e o sangue esfacela
o poema
no mistério da espera"
Parabéns Alcione Guimarães por sua relevante e superlativa obra. Parabéns Goiás por ter como filha a "ave-estrela" Alcione!
* Clara Dawn é escritora e jornalista.
______________________________________________________________________________________________________________________________________________
Reflexões e Pesquisas de Alcione Guimarães sobre Honestino Guimarães
A trama da luz de Alcione Guimares – por Fernando Py
A trama e a luz de Alcione Guimarães – por Clara Dawn
Reflexões – por Brasigóis Felício*
Dentre as mulheres que estão escrevendo em Goiás, destaco Alcione Guimarães. Poetisa, ficcionista e artista plástica.
Talentosa em tudo o que faz como se não bastasse os excelentes textos que publicou, em prosa e poesia, agora dá um show na História – em Reflexões e Pesquisas sobre Honestino Guimarães, seu avô.
O livro é de leitura deliciosa, até para quem não sabe quem foi Honestino Guimarães tal a leveza e brilhantismo do estilo.
* Brasigois Felício é escritor e membro da Academia Goiana de Letras.
____________________________________________________________________________________________________________________________
A casa e outros lugares
A trama da luz de Alcione Guimares – por Sônia Elizabeth Nascimento Costa
A casa – por Sônia Elizabeth Nascimento Costa*
Leveza, estilo, competência para escrever bons poemas. Assim fotografo Alcione Guimarães em sua obra poética A CASA E OUTROS LUGARES. Sim, deparei-me com poética original, em tom maior, única naquilo que propõe expressar. A casa é o eixo, o núcleo, partindo do centro para o todo, feito labirinto e não propriamente mandala, onde os objetos e todos os lugares explorados são universais. A poesia junta-se as artes plásticas para dignificar e explicar o momento vivido (sim, Alcione Guimarães é artista plástica das melhores que temos).
Vejamos esses versos, onde a natureza prolixa da palavra funde-se ao universo de seres, em linguagem altissonante:
"Todos compõem sua música
e engendram seu caminho
como se irmanassem o céu e a terra:
o pássaro
o capim
o vento
as fontes
as pedras e seus silêncios
as rosas e tantos espantos
de todo o saber vazio
e indeterminado..." (pg.13)
Fico deveras deslumbrada (essa a palavra) com a mística das formas enlaçando-se ao verbo poético, assim:
"Enquanto dançarem as figuras
pintadas por Matisse
na alegria dos gestos -
jogue fora o peso da realidade... (pg. 15)
Límpido ler imagens que se projetam dessa maneira:
"No azul do céu ou no azul do lago
o revoar de folhas -
cintilações que caem
ou brotam
no espelho das águas..." (pg. 17)
Ou:
"Entre dois sonhos divago
na luz ou na obscuridade
não sei se voo ou se mergulho
e invejo os pássaros
que repousam na ponta dos galhos..." (pg. 17)
A doçura de ser poeta, cantando como se planasse:
"...A renda das flores do sabugeiro
perfuma teus passos..." (pg. 21)
A espiritualidade do canto ceciliano:
"Sobre o canteiro de prímulas
o luar e sua cortina de prata.
Há nessa visão poética ou mística
qualquer coisa de interdito
que acompanha certos mistérios
nessa noite pressaga..."
No deslumbre do sol, Alcione é mística, transfigura-se e evade. Em textos de prosa poética, lembranças brejeiras da vida campestre, e tudo parece voar quando encontramos versos dessa lavra:
"...Antes - eu era forte
uma daquelas árvores
e delicada - um daqueles pássaros."
O canto de Alcione Guimarães muitas vezes é bucólico, daí ser esplêndido, escrevendo com ternura, expressividade, certezas. Vejamos essas palavras, onde o sentimento é feito de nuances de observação:
"Mais além -
em um campo aberto
dia sem sol
duas árvores solitárias
as únicas não abatidas
se abraçam..." (pg. 55)
Vale registrar a poesia de imagens, desenhadas na pg. 57 e 79, onde o pássaro é avião em sua desenvoltura, ou ponto de interrogação em sua inteireza. E ouvir acordes de harmonia: "...O amanhecer/acordou o pássaro/que inventa a morte..." (pg. 63). Ou nirvanizar a vida, a cada saboreio de leitura: "...É que todo poema nasce/no exato momento/quando inicia o silêncio..." (pg. 69). Falando do ato de fazer o poema, nascer o poema no texto de pg. 91, e o que pode ser suposição, talvez, no poema de pg. 93. Perfumes da natureza e seus frutos, gostos, sabores, em pg. 95, e o dom da observação, do sentir no de pg. 111. A bagagem do saber, da experiência, em: "Faz bem ao espírito/conferir o mundo..." (pg. 125).
E finalizo minhas observações citando: "...Nada melhor que um poema/que nasça/sem que nada se peça/no escuro - /sob estrelas baças." (pg. 147) e "...Abraçou o gramado, o jardim, e fechou a tesoura com a voz do pássaro." (pg. 169).
Para saber mais sugiro pegar o livro de Alcione nas mãos e viajar. Uma das melhores viagens que vivi. Selo da KELPS.
* Sônia Elizabeth Nascimento Costa é poeta e escritora.
____________________________________________________________________________________________________________________________