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REFLEXÕES E PESQUISAS DE ALCIONE GUIMARÃES
SOBRE HONESTINO GUIMARÃES   |  2015
 

 

 

 

 

Tudo o que ele escreveu em sua trajetória, sobre todos os aspectos e especificamente este último texto, com data do ano de sua morte, possui muita consistência e densidade em sua representação, sempre com base em ideias filosóficas, mesmo que não tão aparentes. E a filosofia quando presente, torna a escrita autêntica e consequentemente perene quando se trata de uma filosofia existencial. Pessoas como Honestino, um rebelde, são sempre perseguidas e condenadas historicamente. Ele argumentava em seus artigos que a única forma de escapar dos efeitos do poder seria através da harmonização conseguida pelo desejo de transcender o humano, longe da sucessão de intrigas e conflitos de poderes.

Fragmento:

[...]

Em uma entrevista, o escritor Alain Badiou revisita – A República – de Platão, em recente livro, e chega à conclusão de que Platão é nosso contemporâneo pois nos permite combater os inimigos da filosofia, o ceticismo dos que não acreditam na existência de verdades. Nascido no século XIX, Honestino – um republicano, estudioso da filosofia a qual aliou o jornalismo político – é também nosso contemporâneo. Faço essa analogia baseada em pesquisa através dos jornais por ele fundados que dialogam com questões atuais. Era um atento observador do poder e de seus ocupantes.
A propósito, o título do primeiro jornal por ele fundado é nada menos que A Verdade com a finalidade de expor o pensamento a sua
potência universal.
A verdade de um acontecimento é imperecível, mesmo que contestada. Era o que ele fazia, acreditando que essas verdades teriam a capacidade de transformar a compreensão do mundo, para melhorar o destino dos homens:

Será vesga a orientação de quem tem coragem de dizer-lhes tais verdades e indicar-lhes o caminho a seguir?
O fato é que não nos subordinamos ao sentir de qualquer censor, porque pensamos que o direito de pensar e de julgar, o de ensinar e comunicar pela palavra o que temos como verdadeiro, constituem a nossa personalidade. E se renunciarmos tais direitos, ou se a lei, os poderes públicos ou a maioria da sociedade nos fixassem limites quanto ao seu uso ou arrogassem a si a faculdade de nos dirigir impondo-nos opiniões, não poderíamos mais desenvolver livremente nossa personalidade e sujeitar-nos-íamos a injustificável servidão. Não devemos abdicar da nossa inteligência, podendo aplicá-la com toda independência, sem que haja perigo de atentar contra a liberdade de
nossos semelhantes.


Em artigo da Folha do Sul, quando ele polemizava com Eduardo Sócrates (do jornal Lavoura, de Uberaba) contra as oligarquias, que ele considerava privilégio de ricos e de poucas famílias poderosas, interpondo-se sobre a maioria do povo goiano que, no dizer de seu opositor, não tinha tradição, ele contestava com total independência – o que a carreira jornalística lhe conferia – através de crítica conscienciosa dos acontecimentos políticos da época, argumentando que “os tradicionais” podiam elevar-se a trezentos enquanto, em Goiás, a maior parte da população era tratada com desigualdade, enfatizando o analfabetismo, a carência em educação, em resposta na Folha do Sul de 10 de março de 1906:

[...] enquanto os que tinham mais poder criavam uma academia de direito para formar poucos moços, talentosos na verdade e dignos da maior admiração, mas para nadarem sobre ondas de analfabetos. [...]
No último artigo em resposta ao Sr. Dr. Eduardo Sócrates, terminamos nossas considerações no ponto em que reconhecemos ter o nosso distinto patrício cometido um engano visível e indesculpável, que redundou em favor dos conceitos por nós emitidos, relativamente aos grupos oligárquicos. Por essa prova veemente, oferecida por suas próprias mãos, verifica-se que o Dr. Sócrates, como fervoroso adepto da cresocracia, opta pelo predomínio de um mandarinato, composto de ricos e poucas famílias poderosas, sobre o resto do povo goiano, cuja maioria não tem tradições...
Tão mesquinho de ideias se mostrou nesse ponto o distinto patrício que o não supúnhamos capaz de, linhas adiante, falar tão enfaticamente de estudos de sociologia, em que, aos trambolhões, pretendeu mostrar-se versado. Em se tratando de tal assunto forçoso nos era aplicarmos-lhe aquelas palavras de Schleiden: “ É uma prova de repugnante grosseria de espírito querer ajuizar de cousas, sobre o que não tem o mínimo conhecimento”; Mas não o fazemos, porque reconhecemos que, não sendo a ciência qualquer que ela seja, monopólio de meia dúzia de indivíduos que tenham pergaminho, tanto pode estudar sociologia o engenheiro Eduardo Sócrates, como nos outros que pudermos adquirir os livros necessários e tivermos amor ao trabalho intelectual.
[...] O Dr. Eduardo Sócrates, que aliás é um goiano trabalhador, deixa quase sempre a sua leitura encaixotada em os livros na estante e vem para o jornal dar expansão aos seus ódios, arvorando-se em censor, possuído às vezes de profunda maldade. As paixões partidárias, levadas para as colunas do jornal, desviam os deveres serenos da imprensa, destruindo os seus efeitos salutares sobre a
opinião pública.
Haja vista o que tem feito com o Dr. Leopoldo de Bulhões, procurando ridicularizá-lo na alta política federal, onde aquele ilustre patrício há honrado brilhantemente o nome de Goiás, não só como excelente ministro da fazenda e também como estadista responsável e respeitado.
Para que essa guerra de morte contra a pessoa daquele eminente goiano, quando bastava que apenas se combatessem os maus efeitos da política do partido decaído, no estado? Não é um modo de estontear com seu ódio, pequenino digamos, a opinião da maioria dos goianos, que se acham inquestionavelmente com o partido situacionista a que é filiado o escritor do “Lavoura”?


E para finalmente completar – enfatizava uma defesa ao jornalismo:

E o Dr. Eduardo Sócrates sabe lá com quem está a opinião pública? Acaso os homens sensatos desta terra não pensam que é necessária a existência de jornais independentes que digam a verdade, sem rebuço, demonstrando assim superior inteireza de caráter? O que vai causando a ruína desta terra e quiçá de toda a malsinadíssima República, é justamente essa dobrez de caráter, é justamente essa sordidez crapulosa, essa crapulosa baixeza de sentimentos que fazem os homens mentirem as suas próprias convicções, se envergonharem de suas próprias opiniões. A manutenção de jornais independentes convém mais à própria coletividade do que aos que têm a inaudita coragem de os fundar, sem disso aufiram compensadores lucros pecuniários.
[...] temos a alma saturada de inquebrantável civismo e por isso não depomos a nossa pena. Filhos do povo, filhos da pobreza, da classe plebeia, sem aspirações, sem essas estonteadoras ambições pela altas culminâncias de posições sociais compreendemos como diz Manuel Bonfim, que o verdadeiro impulso para o progresso é dado pelos que sofrem e são oprimidos. [...] O ilustre patrício que tanto se vangloria do decantado triunfo contra o partido de do Dr. Leopoldo de Bulhões, alardeando tradições balofas, esquece-se de que o porta-bandeira dessa reação foi um pobre pelas colunas da Tribuna... [...] Por isso consinta o patrício que esqueçamos a nossa inexperiência, a nossa origem plebeia, e venhamos, de vez em sempre, dizer destas colunas que ao revolucionários de outrora, pelo aferro às posições mais cômodas ou pela atrofia das energias físicas, estão caindo num conservadorismo lastimável, não se lembrando de que os nossos problemas mais vitais ainda não se acham resolvidos.


Dessa discussão quando ele falava da falta de argumentos de Eduardo Sócrates a favor das oligarquias, encontrei essas interessantes citações muito pertinentes:

[...] não queremos substituir as personalidades que aparecem através dessa crítica, da mesma forma que um crítico musical, por exemplo, analisando Hänsel und Grethel de Humperdinck não deseja compor ópera igual e nem ocupar o lugar do glorioso discípulo do wagnerismo na Alemanha...Tal pensamento formulado por uma pessoa faz-nos lembrar aquelas palavras de Shakespeare: Indeed he hath payed on his prologne like a child on a recorder: a sound, but not in government. É a tal coisa: sopra na flauta, mas não sabe por os dedos.
Enquanto os conservadores de hoje se enfraquecem no gozo de posições rendosas, tirando todos os proveitos de uma vitória que compete ao povo, a evolução social não cessa. Na sua frente vai a massa popular, a plebe; e nós que dela saímos não a abandonaremos nessa marcha ascensional em demanda do progresso da nossa terra.
Vamos fechar o presente artigo. Antes, porém de o fazermos seja-nos permitida a citação de um fato que lemos em Tobias Barreto: Antônio Tari, o célebre professor de estética da universidade de Nápoles, reportando a Schopenhauer, diz que no Tibet costumam representar uma pequena comédia teológica, na qual o Dalai Lama disputa com o diabo sobre a realidade ou idealidade do mundo. Satan, realista desavergonhado, declama sobre o infalível testemunho dos sentidos. O Lama, respondendo, raciocina sobre a vaidade fenomenal do conhecimento. Ao terminar os pro e contra, os disputantes, de comum acordo, entregam ao azar a decisão da contenda, jogam ao dados a solução metafisica do enigma do universo e o diabo perde a vaza.
Assim acontece ao Dr. Eduardo Sócrates, que, enquanto vier a distribuir maldades pela coluna Lavoura sempre há de ser o diabo que perde a vaza.


Oligarquia, hoje, é sinônimo de predominância sequencial de políticos cuja maioria pretende se reeleger neste ano de eleição – e consegue – através do poder, do dinheiro, da ignorância
do povo.
Indicar um herdeiro entre os seus familiares pelo lado sanguíneo é prática persistente até os dias de hoje: os Calheiros em Alagoas, os Sarneys no Maranhão, os Campos em Pernambuco, os Magalhães na Bahia, os Roriz no Distrito Federal e muitos mais. Isso sem falar dos parentes no Judiciário, nos Tribunais de Contas, nas Assembleias, sem que se observem os concursos que na maioria das vezes são insuspeitos. E ainda pregam contra o que chamam de “elites” como se delas não fizessem parte e enfatizando-as como símbolo da desigualdade social.
A desigualdade impera em todas os lugares e de diversas formas.
Em São Paulo, há falta de água para boa parte da população enquanto existem casas com piscina e fontes: característica da diferença econômica e social dessa cidade. Mas na situação de falta de chuva e sem prognóstico de aumento de água nos reservatórios, os ricos também vão ter que economizar. Nesse caso, a natureza castiga. E pagar taxa mais alta seria outra predominância de poder.
Poderia acrescentar situações semelhantes infinitamente, até fora do País.
Em Nova York, um edifício de luxo tem uma portaria separada para apartamentos mais baratos que a imprensa local apelidou “entrada para pobres”. Os destinados aos ricos têm vista para o rio Hudson, numa sociedade cada vez mais dividida.


À medida que escrevo, mais vai se aprofundando o meu comprometimento afetivo com Honestino e penso que temos uma grande afinidade, razão de que nesses fragmentos, não posso me esquecer dele nem de mim, porém, numa situação histórica individual. Tento psicanalisar seus textos. Ele partiu de um conhecimento próprio em análise consciente e refletida dos acontecimentos da época em que viveu e das condições sociais; de suas verdades; do seu idealismo externado através de seu fazer jornalístico; e eu, por não discordar dessa correspondência mágica entre suas análises que são tão próximas as minhas, percebo – entre o tempo passado e o que se passa e não sei se o que se passará no futuro – uma analogia surpreendente.

[...]

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CINGAR E A PORTA DO MEIO   |  2015

 

[...] As rodas das carroças tropeçavam nas pedras escondidas pelo pó. O ruído ecoava no ar. Uma música incidental. Um lamento. Em face das intempéries do tempo, era uma música singular, cheia de surpresas, de uma unidade ímpar em suas assimetrias, como se todos os elementos da natureza houvessem ensaiado numa orquestra, longe das limitações humanas. Uma epifania. A essência das coisas no que há de mais profundo e puro. [...]

Fragmento:

[...]

Cingar estava fascinado por aquela imensidão e pela frieza que tudo transmitia a seu espírito, enquanto caminhava na esplanada dos ministérios, frente ao Congresso Nacional — sob aquele céu azul-claro salpicado de nuvens de um branco imaculado, onde o horizonte era uma linha reta. Para ele, era impossível descrever Brasília. O excesso de azul que cai sobre as fontes, mescla monumentos e prédios, mergulha no lago; aquela vastidão estranha e bela; prédios mais parecidos a esculturas, onde a natureza e os jardins, são refletidos em suas vidraças impenetráveis.
Não tem como estabelecer a parte interna, se as janelas de vidro refletem a externa. A claridade contra o fundo secreto. Quartzos duros, luz que ofusca a visão; onde se escondem os administradores da corrupção e suas burocracias inacessíveis; as habituais aglomerações de pessoas superficiais e viciadas no poder; onde impera a imoralidade e a vergonhosa profusão de escândalos; onde circula um enxame de moscas azul-cintilantes; onde a dissimulação anda com passos leves sobre tapetes macios longe dos olhares desatentos da multidão que ele vira, em barracas sujas, bordéis, igreja, entregues à louvação ou ao desregramento, a poucos quilômetros de distância.

[...]

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A CASA E OUTROS LUGARES   |  2017

 

A CASA ESTÁ SILENCIOSA. Há um rumor de vento — e palavras adormecidas na memória libertam-se dos dicionários, dos livros, das leituras e retornam de certos momentos vividos, inquietações, sons, imagens. As palavras sempre voltam. Seguem rastros. E se voltam, não são mais as mesmas. É o que resta — um acervo mental que fica guardado e que talvez um dia seja esquecido: uma cobra coral que, breve, intercepta nossa trilha, resplende e nos arrepia pela beleza e pelo medo; o mistério de um poço onde imagens se deslocam mergulhadas em sua imanência; uma música que marcou a intensidade e a finitude de uma paixão: uni acerto de contas que decepa todas as dúvidas; uma paleta repleta de cores sobre um cavalete em frente a uma tela. Alva. Sem nenhum desenho — apenas a sonoridade cromática sobre ela, em sua brancura difusa, à espera de imponderáveis imagens.
São as vozes desses momentos e de outros que me falam. São insignificâncias e pequenos detalhes que antecedem o ato de escrever e captam os sinais da vida e da natureza — vibrações luminosas que me alcançam e se transformam nesse desenho de palavras — e o olhar se abisma na profusão de cores à procura da leveza do gesto e se mostra a um rosto ou mais, iluminados ou inquietos, diante dessas imagens: cenas, caminhos, atalhos, jardins onde brotam e juntam-se nas chamas de um canteiro de papoulas. 

É esse o momento que tento segurar com receio que ele me escape.
O quadro está sobre o cavalete e respira. Escreve-me em seu delírio.

TODOS COMPÕEM SUA MÚSICA
                    e engendram seu caminho
corno se irmanassem o céu e a terra:
                                           o pássaro
                                        o capim
                                    o vento
                             as fontes
as pedras e seus silêncios
as rosas e tantos espantos
de todo o saber vazio
e indeterminado.


Todos — como nós
procuram seu lugar preciso

quem sabe efêmero
                 oculto
mas à espera
de uma certeza ausente

além de um mundo visível

onde tudo se passa alheio

aos nosso pobres gestos.
 

Sobre o canteiro das hortênsias
a penumbra domina toda claridade

quando o sol esmaece
                                 e
um estranho silêncio
pousa no contorno da serra
e tudo se cala no segredo
onde se concebe o que é definitivo

na confirmação desse mistério.
 

ENQUANTO DANÇAREM AS FIGURAS
        pintadas por Matisse
        na alegria dos gestos
jogue fora o peso da realidade.

 

Por mais que pensemos
              o que julgamos saber

na quietude da noite –
                      a voz de dentro

traça um desenho a carvão
          suspenso no equilíbrio

enquanto arde em azul escuro
a renda branca das flores do
sabugueiro

onde pousa urna ave rara
                                      como se temesse

que o fôlego pudesse se perder
nas coisas que por dizer ficaram caladas

dentro de uma pedra
e de olhos vendados.

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FEITO TIGRE QUE FASCINA
CONTOS E NARRATIVAS   |  2022
 

 

 

 

 

“Inútil repetir-me que a lembrança/de ontem e um sonho são iguais.” 
José Luís Borges


Esse entrelaçamento de textos se sucederam. Falam sobre coisas e acontecimentos que permaneceram em mim, porém, de uma nova maneira ao considerar esses mesmos acontecimentos; relatos de sonhos tornam-se mais seguros do que expor um modo de sentir uma realidade que já não existe; no entanto, uma certa magia acontece ao permear o pensamento no esforço de criar um mundo ilusório – coisas que poderiam ter sido e quase não foram mas as imaginamos. Seguem caminhos. E os caminhos da ficção são surpreendentes! Por mais que os elaboremos, sempre se apresentam incompletos e se desenvolvem de outra forma e não a que pretendíamos. É na linguagem que a experiência vai se tornando real – O tempo, os lugares onde os personagens aparecem, o ritmo construído através da forma, o desconhecido a ser desvelado, a natureza, as criaturas, as vozes, as coisas – e imagens que o ilumine.
Descobri, também, que cada fato correspondia ao passado, referências à situações e experiências muito antigas como imagens da vida; lembranças, muitas e diferentes umas das outras, revelações sobre o que ficou esquecido, desprezado ou imperceptível; acontecimentos, pessoas e lugares por onde não andei, tudo que ouvi e me tocara, tiveram ou deixaram alguma significação para que eu pudesse desenvolver uma história, um pouco mais profunda ou menos, e permitir que os personagens as ditassem de onde eles estivessem – em um deserto, uma floresta –, em um lugar de esquecimento à espera de um resgate, mesmo sabendo que recordações não correspondem aos meus desejos, pondo à parte os profundos laços afetivos que me ligam a algumas pessoas que pertencem a um passado onde não voltarei e nem existe mais – são memórias. Às vezes penso que nos tornamos desconhecidos de nós mesmos. E à medida que o tempo passa, cada vez mais fortalece mais o lugar de onde vim. A escrever é que se aprende o que somos. E o que merece ser contado, acontece.
Escrever um livro é uma aventura. E um risco.

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