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Textos críticos

ARTES PLÁSTICAS  II

 

 

 

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O gesto visual de Alcione – por Gilberto Mendonça Teles
Alcione: exuberância de cores regionais – por Miguel Jorge
O universo feminino de Alcione – por Darcy França Denófrio
Goiaz: solene e belo – por Guilherme Vaz
Arte com alma – por Luiz de Aquino

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O gesto visual de Alcione – por Gilberto Mendonça Teles*

 

 

O destino do pintor – daquele que faz da pintura o seu projeto de vida – é produzir concordâncias. Não importa que suas formas sejam (in)verossímeis, suas técnicas abstratas e seus temas sem compromisso (aparente) com a realidade. O que importa é o sentido, o rumo que procura imprimir à sua sensibilidade criadora, isso que vai dar personalidade ao seu trabalho e que o tornará culturamente necessário.

                    O que se espera do artista, de sua obra, é, primeiramente, que ela “concorde” com a expectativa que fazemos dela e que nos dê a impressão imediata de que estamos diante de alguma coisa que se sabe original e fundadora. É a partir daí que articulamos os nossos conhecimentos e passamos a procurar analogias e “concordâncias” miméticas. Só então se fechará o circuito da nossa experiência estética: sentimos que o artista fez mesmo o que deveria fazer, o que “esperávamos” que ele fizesse e, afinal, o que gostaríamos também de fazer. Tornamo-nos cúmplices ou partícipes do ato criador e nos identificamos com os valores da obra, que adquire assim uma função social e um valor esteticamente imprescindível: o de somar ao acervo cultural da humanidade.

                    Esta dialética de concordâncias assinala o interesse artístico dos quadros de Alcione Guimarães, pintora dos instantes telúricos da paisagem goiana e, por isso mesmo, a mais representativa do Brasil Central.

                    Há na obra, no conjunto de seus temas, o ímpeto da vontade criadora e o testemunho da fidelidade à sua região. A sua pintura celebra o instante e, tal como o expressa, o torna sempre mítico, inaugural, como no gesto das mãos organizando o cosmo particular de cada tela; como no gesto dos olhos contemplando o que foi feito e nos fazendo voltar ao nosso mundo, mas agora com a consciência carregada de denúncias.

                    Diante de suas telas temos a sensação do começo, do impulso inicia de um mundo conhecido, mas novo, com os seus limites e os seus valores de força: os vegetais (cana, café, algodão), os animais (bois, ovelhas, gatos, passarinhos), as coisas (lamparinas, enxadas, sombrinhas) e, acima de tudo, o orgulho humano de uma linguagem que enuncia esses elementos. Uma linguagem que, sob este aspecto, se aproxima da escrita chinesa, em que o ideograma indicativo do homem é o traço inicial do ideograma da árvore, como se cada árvore tivesse a imagem do homem por dentro, contemplando intimamente os seus instantes de florescimento.

                    Alcione atualiza e dinamiza artisticamente alguns aspectos significativos da paisagem econômica de Goiás. Os seus quadros aumentam a realidade das coisas, dá caráter aos temas rurais, como na série de pinturas sobre o gado, no simbolismo da relação homem/canavial, na contiguidade da roupa da colheita do algodão e, atravessando tudo, numa constância quase simétrica, o jogo gestual das mãos e dos olhos, as duas imagens recorrentes e responsáveis pela força patética e pela maior significação de algumas figuras representadas.

                    Um bom exemplo disso é a obra “Eterna Vigilância”, que cala nos seus não-ditos “o preço da liberdade”, segundo a velha fórmula udenista, transferindo simbolicamente para o trabalhador a responsabilidade de abrir o seu próprio caminho, como na atitude de afastar com as mãos as touceiras de cana para espiar. Mas o curioso e realmente singular é que, mesmo com o chapéu enterrado na cabeça, o homem olha: os seus olhos atravessam a aba do chapéu e nos vigia. Mãos e olhos centralizam os vetores de força e fundem o instante, a magia. Mas o simbolismo dos gesto é tão forte nessas pinturas que, mesmo nas telas em que a figura humana não aparece – é o caso de “Animais gente” (um conjunto de gado nelore)– , o que mais se conta na contemplação é o gesto facial e o olhar tristonho do gado, com seus perfis de fazenda e de horizonte, fitando não apenas o pintor, mas também, a partir dele, a possibilidade infinita de expectação.

   Seria o caso de se emendar Anaxágoras, para quem “o homem pensa porque tem mãos”. No caso das pinturas de Alcione, o homem olha porque tem mãos. Mãos e olhos estabelecem as tensões entre o espaço perceptivo e a função expressiva de seus quadros. Alcione eleva a matéria regional à condição de formas universais e cria significações e concordâncias em, pelo menos, duas direções: para fora, na figuração e na simbolização dos elementos, quando desenho e pensamento se conjugam na apreensão do real; e para dentro, na organização das perspectivas cromáticas, no jogo de sombra e luz, quando a emoção é que comanda o movimento que se faz inaugural, como o gesto visual de Alcione.

 

* Gilberto Mendonça Teles é escritor e membro da Academia Goiana de Letras.

 

 

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Arte com alma – por Luiz de Aquino*



Gosto muito da primeira quinzena de março – duas semanas em que nos dedicamos ao Dia Internacional da Mulher e ao Dia Nacional da Poesia. Este ano, eu disse neste espaço que a mulher é a alma das artes, lem­bram? Foi isso, ou algo parecido, porque é complicado imaginar arte sem mulher. Há todo um contexto envolvendo a essência feminina em qualquer manifes­tação da arte. Traduzindo, não é necessário ser mulher para se ser artista, mas os hormônios femi­ninos são determinantes do teor da arte.
                    Acho que também não have­ria arte exclusivamente femini­na. É verdade que existem alguns grupos fechados, mas o conglo­merado fechado a um dos sexos não produz bons resultados principalmente nestes tempos de tantas inovações, de tecnologia sem medidas que nem mais nos dá surpresas. A vida é flor, é resul­tante da mistura exata de ingre­dientes dos dois sexos, por isso que clubes de bolinha e de lulu­zinha não têm graça alguma.
                    Conheço Coelho Vaz e Alcione Guimarães desde os idos de 1967, mais ou menos.
Sempre os tive na conta de ar­tistas distintos não só como pes­soas e por se dedicarem a diferen­tes exercícios da arte – ele, poeta; ela, pintora – mesmo sendo ma­rido e mulher.
                    Coelho, que de bobo nada tem, valeu-se muitas vezes do ta­lento que tem ao lado e abusou da qualidade artística de Alcione nas capas de seus livros. Covar­dia, pensava eu: com uma artista dessas em casa!...
                    No apagar das luzes do milênio passado ela mostrou-se além da artista que todos conhecíamos e nos trouxe o seu lado poeta. E aí, abusou de sua condição de artista múltipla, produzindo um belo livro de poemas ilustrado por pinturas de altíssima carga plástica e talento. Ou terá sido o contrário?
                    Ora, gente, livro é a alma das artes — não só da literatura. Um livro é a viga-mestre de qualquer arte. Tivesse escrito um livro de poemas, apenas, Alcione teria nos presenteado com uma bela obra; publicasse um catálogo de quarenta pinturas, teria preen­chido nossos olhos com a quali­dade de suas virtudes. Mas ela fez ambas as coisas num livro só.
                    A capa já é, por si, uma obra de arte. A exigência da artista resultou numa peça delicada — como, entendo eu, deve ser todo livro. Intrigante, porém, é o leitor costumeiro aliar-se ao observa­dor comum, como me sinto, diante de algo que considero de um enorme atrevimento: é a ar­tista dando ao visitante a tradu­ção literal de sua própria arte. E o faz em poesia de proa, confi­ram.
                    O livro se chama Zuarte, e mais não digo. Não vou cometer aqui a indelicadeza do menino à porta do cinema, aquele que, querendo entrar, pedia a todos que lhe pagassem o ingresso; a cada negativa, vingava-se: “A mocinha morre no fim, viu?” Não transcrevo, pois, nem um verso que seja, apenas sugiro que comprem o livro que, além de nos proporcionar leitura de pri­meira, vale também como peça decorativa sobre a mesinha dê centro, como um convite acintoso às visitas para o conhecimento de uma verdadeira alma de artista.

                                                                                                                   * Luiz de Aquino é poeta, escritor e membro da Academia Goiana de Letras.

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Goyaz: solene e belo – por Guilherme Vaz*



I
Por acaso estamos falando de um artista da Província? Não.
Porque não?
Porque somente os provincianos de todo o mundo é que não perceberam o
refluxo da arte para a Província.
Quais Províncias?
A Mongólia Exterior, Goyaz, o Lago Titicaca, o deserto australiano – o Sahel
Norte Africano.
Este é o futuro do perfil. O Magreb Africano.

II
Estamos falando de um artista de ponta,
de uma instalação de ponta.
Vista por poucos, sentida por muitos, pressentida por outros mais.
De um movimento na direção da instalação não como uma experiência
formal
como a maioria – mas na direção da origem da arte.
Ortho-reto-doxia-pensamento.

III
A sua pintura se instala asperamente com uma teleologia rítmica do tempo,
do espaço e do pensamento suspensivo de Goyaz.

IV
Não ser apenas uma pintura é muito importante porque em arte o alfenim
produz a sua própria festa.
Seu trabalho pode se tornar em pedras, montanhas de pedras dentro dos currais.

V
Não estamos falando de pintura abstrata. Neste sentido Confaloni prestou
um grande serviço a Goyaz não ensinando o abstracionismo, o palimpsesto.
Salvou Goyaz do passado – e o preparou para o século XXI. Para a era de Goyaz.

VI
Estamos falando do atelier ancestralmente colocado ao lado de um curral.
Emocionante, solene e belo.
Profecia absoluta.
Lugar da arte.

VII
Estamos falando dos olhos permanentemente mongóis das suas figuras
brancas e perdas dos povos mongóis que viveram antes em Goyaz.
Caiapós. Tapirapés. Carajás. Crixás. Xavantes. Canoeiros. Goyazes. Muitos outros.

VIII
Estamos falando de um grande artista com nome de mulher.
Ou de uma grande artista com nome de homem.
Tanto faz.

IX
Por acaso esta é uma pequena exposição em Goiânia?
Não – esta não é uma pequena exposição.
Ela será compreendida por poucos, como uma exposição semente.
Mesmo porque Goyaz será um dos clones da arte no futuro.
Assim como a inigualável Goyaz Velho – “Grandes e Pequenos passearam por aqui”.
Hugo de Carvalho Ramos. Tupis.

X
Mais do que isto, estamos falando do mistério instalado aqui pelo povo da Ponta de Sagres.
Insondável, belo, indecifrável, amante do silêncio instalado nas telas, nos couros, nas traves,
nos baldrames, nos bancos, nos arcabuzes, no silêncio dos altares rústicos.
Não compreendemos ainda. Mas está pintado.
Não está pintado. Mas alguém já balbucia – Mongólia Ibérica.

XI
Estamos falando de uma construtora de altares inauditos.
De alguém que começa uma era e não de alguém que termina.

XII
Estamos afirmando também que o artista é o índio dos brancos.
E que o seu pensamento voa como voa o pensamento do índio – é por isso que se usam
penas na altura do cérebro.

XIII
Sempre pensei que o lugar da arte – como manda a tradição milenar – é ao lado do curral.
É impressionante como isto causa espanto aos modernistas até hoje.
Os iluministas retiraram a arte do campo.
Os positivistas secularizam-na, jogando-a fora das igrejas.
Estive com Alcione no atelier do curral e ví a beleza do futuro.

                                                                                                    * Guilherme Vaz é maestro, compositor e escritor.


 

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Alcione: Exuberância de Cores Regionais – por Miguel Jorge*



Alcione não é um nome desconhecido nas artes plásticas de Goiás, Trabalhando silenciosamente desde 1963, chegou mesmo a pertencer ao grupo liderado por D. J. Oliveira.  A partir de 1980, Alcione retomou a pintura com garra e profissionalismo, chegando mesmo, no ano de 1981, e receber o melhor prêmio no Salão de Artes promovido pelo CREMI, na cidade de Inhumas, sendo ainda classificada para o I Salão Nacional de Artes do Centro Oeste, promovido pela prefeitura de Goiânia.
                    Hoje, nesta individual, Alcione se reencontra com sua temática e floresce em exuberância de cores regionais, finamente manipuladas em sua palheta, confirmando sua vocação para retratar, com equilíbrio desafiador, a história dos homens e das mulheres do campo, apanhados em seus ofícios, germinados dos frutos da terra, numa análise quase didática de cultura interiorana: colhedores de café, algodão, arroz, cortadores de cana, ampliados em seus espaços, recortados pela forte iluminação das manhãs de sol ou pela tênue luz das tardes, refletindo felicidade, no suor do seu labor. O visual desta composição se organiza no local de trabalho destes homens onde a artista instalou o seu ateliê, num gesto de exercício criativo e profissional. Assim, Alcione apanha os impulsos dos movi­mentos dos trabalhadores, imprimindo-lhes ritmo, harmonia e sensibilidade. Sendo eles mesmo co-participes de sua criação, ousando, vez por outra, soltar uma exclamação de espanto ou de admiração ao se verem personi­ficados na tela.
                    A aproximação do mistério do plantar e colher surge de uma maneira natural e afetiva dos quadros de Alcione, pois os seus olhos-de-menina­moça-mulher fixaram-se neste caminho, nestas paisagens, neste calor goiano.
                    Alcione, a partir desta individual, decidiu-se permanecer como recriadora do universo visível e palpável, sem nenhuma conotação critica.
                    Há uma organização de formas e luminosidades, divisão de planos, e alguns momentos poéticos, definindo o menino e os pássaros em tons definitivos como a própria urgência da vida.



                                                                                                                       * Miguel Jorge é poeta, escritor e membro da Academia Goiana de Letras.

 

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O universo feminino de Alcione – por Darcy França Denófrio*



O processo criador, esta moeda de, dupla face, em que figura de um lado a lucidez e de outro, o mistério, dificil mente pode ser explicado, mesmo (e principalmente às vezes) pelo próprio criador de um objeto de arte.
                    A arte de Alcione Guimarães, quando tematiza a mulher, apresenta um significado imanente que não pode escapar a um iniciado em artes. Resultante talvez de suas vivências mais profundas, esta vertente de sua criação pode até estar movida por aquelas “motivações transconscientes” de que nos falam certos teóricos. Não foi feita deliberada mente para defender uma ideologia, mas, não obstante, defende.
                    Seu universo humano, povoado quase que exclusivamente de figuras femininas, não pode ser um mero acaso. Sobretudo quando as mulheres de suas telas ostentam gestos simbólicos de profunda significação. Solitárias, quase sempre, mesmo quando a tela se denomina “Colóquio”, que, no caso, só se estabelece com um furtivo animal doméstico– um gato.
                    Alguns poderão ver nisto um mero acaso, como naquele outro quadro, batizado com o nome de “Pássaro pena”, em que a figura feminina, em relação metonímica com a ave, segura pela cauda um vôo mal começado, que não decola para o espaço da liberdade. Concorre para a semântica da tela o seu próprio titulo, — “Pássaro pena”. Aqui pode valer a ambiguidade, se quisermos uma direção ecológica para a simbologia. Mas o sentido de dominação, de dor, evocado pela palavra pena, é igualmente válido para esta mulher de olhos desmensuradamente abertos e mãos impotentes (como se vê também em outros quadros de Alcione) a figurar, quem sabe, um ser com muita vidência e pouco poder.
                    Difícil, para os que porventura sorriram com um certo ceticismo diante das tentativas de interpretações anteriores, será descartar o profundo significado ideológico, liga do ao universo feminino, presente na tela “Ordem e progresso”, em que se vê um busto de mulher de perfil. Aqui uma trabalhadora enxuga o suor de seu rosto com uma bandeira nacional, que drapeja pelo seu colo. Sobra seu ombro recai significativamente a responsabilidade da frase “Ordem e Progresso”, lema sustentado por um trabalho escravo e remunera do de forma indigna e desigual, como o quadro bem pode sugerir. Mas a tela pode assumir uma conotação mais universalizante. O pálio, que enxuga o rosto desta figura feminina, converte-se claramente numa espécie de lenço que cobre a face das mulheres mulçumanas, as mais discriminadas e   subjugadas, deixando entrever sobretudo os olhos visionários.
                    Dentro desta linha, um dos mais significativos quadros de Alcione é aquele denominado “Interior”. Olhando superficialmente, o tema parece remeter a uma atividade comum no interior do país: uma roçada. Vendo melhor, observa-se que são três as figuras humanas: dois homens e uma mulher. Depois nota-se que esta se encontra em visível primeiro plano e, enquanto as figuras masculinas, dinâmicas, empreendem a sua empreitada, a feminina, estática, com olhar duro e boca amarga, examina com o tato o gume do cutelo, ferramenta desenhada à altura de seu peito (ou coração). O campo se divide em duas seções: uma limpa, já roçada, e outra não. As figuras masculinas, com os pés tocando o campo amanhado, coordenam os seus esforços em cooperação mútua. A figura feminina, visivelmente destacada, encontra-se sobre o campo inculto que arrebenta os limites do quadro, menos o superior, onde significativamente se encontram as figuras masculinas. E olha amarga e fixamente o horizonte, enquanto examina o gume de seu instrumento e avalia, no seu espaço, tudo o que não foi feito ainda.
                    A cabeça desta mulher em primeiro plano parece funcionar como um ponto de fuga, e forma também o vértice mais obtuso de um triângulo isóscele invertido, tendo-se as duas cabeças masculinas a sustentarem os dois outros vértices igualmente agudos.
                    Para Cirlot, estudioso dos símbolos, o triângulo in vertido é um símbolo ambíguo. Signo da água, ele expressa também a involução, por causa da direção de sua ponta (ou força) para baixo. Mas é ainda considerado equivalente ao coração, em razão de sua forma, e pode substitui-lo simbolicamente, sobretudo se estiver num centro.
                    O triângulo invertido, criado por Alcione, ocupa o centro do quadro e, sendo signo da água, representa o princípio feminino (por oposição ao fogo, principio masculino). E sendo também símbolo do coração, esse triângulo pode expressar o sentimentalismo, a emoção feminina, o coração que milenarmente aceitou e compreendeu tudo. Mas esse triângulo inverso pode significar a involução, por causa de seu vértice para baixo, representado, no quadro, principalmente pelo rosto daquela mulher. Mas na conjugação de todos esses elementos, subjaz a mensagem da artista. A figura feminina de Alcione pára, olha com olhos desmensurados o horizonte (que já perscruta) e sente o gume de seu instrumento, numa clara figuração de que já sabe que pode mudar o seu destino ou inverter o vértice desse triângulo, apontando a direção de sua força para cima. Essa possível companheira do homem, mãe e trabalhadora que, obtusa no seu ângulo, sustenta sozinha o peso de mais dois outros ângulos, deve visionaria mente entrever o dia em que um novo polígono se desenhará para a humanidade, dia em que deverá integrar as forças bem distribuídas de um triângulo equilátero. Estamos diante de uma mulher goiana que produz arte da maior grandeza e desafia o nosso pensamento.
                    Por isso a arte de Alcione Guimarães não pode ser vendida “a metros quadrados”. Sua arte não é decorativa– -– é significativa. E quando uma mulher, ao realizar a sua arte, chega à altura de uma Alcione, todas nós CRESCEMOS.


                                                                                                                                * Darcy França Denófrio é escritora e professora de Teoria Literária.

 

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Exposição de Desenhos – por PX Silveira*

 

                    As recentes criações visuais da artista Alcione Guimarães não se deixam fisgar por definições apressadas.
                    Primeiramente, porque não são desenhos, como ela prefere se referir a elas. Tampouco poderíamos chamar de pintura ou gravuras sem matriz. Se recorremos ao termo genérico "obras de técnica mista", estaríamos certos, tecnicamente falando, porém lamentavelmente evasivos. A verdade é que essas suas obras trazem reminiscências de diversos suportes que a arte utiliza para se tornar expressão. São aquarelas, pinturas, assemblagens e, sim, desenhos.
                   Depois de constatar que não podemos definir em uma só palavra suas obras pelo ponto de vista da técnica, nos vem a impossibilidade de definir em poucas palavras a sua abordagem temática.
                  Para tanto, recorremos a descrever algumas particularidades que se pode juntar ao todo, sem com isso assumirmos o compromisso de abarcar toda significação que essas suas obras nos trazem.
                    Temos o aleatório das montagens de pequenos círculos de madeira sobre papel artesanal que serve de base para todas as demais obras.                  Aqui, o acaso das posições dos corpos celestes parece se refletir nos restos de madeira, como se a floresta fosse também constelações incorporando as árvores como suas estrelas.
                 Temos a engenhosidade a serviço da leveza nas pequenas papeletas brancas sobrepostas sobre a pintura de uma copa de árvore retratada na técnica da aquarela. 
                 O mesmo para a revoada rubra que vai do rés da praia aos supostos céus de balé de flamingos vermelhos.
               Aparece a montanha como alvo da cobiça humana, sugada pelas beiradas de sua força dourada e mineral, formando uma espiral que diz muito de nossa in-volução. 
                A crueldade dos fornos carvoeiros transformando a matéria orgânica é retratada em obras que mostram desde o corte até a fuligem negra da transformação, passando pelo cortejo das árvores abatidas descendo no ritmo da correnteza de um rio que a artista apenas sugere. Há ainda a presença animal contraposta à estultice humana e a formação de um mandala como um caminho redentor que o Cerrado ainda não viu chegar.
Outra obras se fazem presentes das formas as mais sutis, como se fossem habitantes de um grito silencioso da artista e poeta de cara leve e insuspeita. Percorrê-las com o olhar e o sentimento é dar vazão à sensibilidade que anda tão castigada por reducionismo e obviedades.


                                                                                                                   * PX Silveira é escritor, poeta, jornalista.

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